Mercado Imobiliário

Brasil em liquidação? O lado não tão feio da crise

Brasil em liquidação? O lado não tão feio da crise

brasil

A solução pro nosso povo eu vou dá, negócio bom assim ninguém viu

Tá tudo pronto aqui, é só vir pegar, a solução é alugar o Brasil

Aluga-se, Raul Seixas

Rachel de Sá*-Brasil | Terraço Econômico

Há quem tenha ficado um tanto irritado com a recente declaração de Abílio Diniz que, do conforto de um hotel em Nova York, afirmou que o Brasil está em liquidação e que já se viveu muito pior por aqui. Afinal, “como não amar uma crise?”, daria a entender o Presidente do império alimentício BRF àqueles que de amor nada enxergam em inflação passando de 9%, dólar a R$4,00 e desemprego à vista.

 

Confesso que fiquei chateada ao notar a reação positiva do mercado à declaração de Abílio, pois andava dizendo isso há tempos, e posso afirmar com toda certeza que o mercado não estava me dando nem 1% da atenção que dedicaram a ele. Brincadeiras à parte, não somos nem eu nem o Abílio os primeiros a dizer que crises podem representar oportunidades, nem seremos os últimos. Em 1986, a brilhante Rosemary Thorp já dizia isso ao explorar o crescimento pós-I Guerra; em 1989, minha mãe já dizia isso ao abrir um negócio que floresceria nos difíceis anos 1990. Mas onde podemos ver tais oportunidades, e em que ponto estas passam do campo teórico e de wishful thinking para a vida real?

 

Vamos aos números. Desde o início deste ano, o Real já desvalorizou mais de 40% perante a moeda norte-americana, o dólar. Claro que tal desvalorização prejudica a economia, ao aumentar o preço de muitos produtos, do pãozinho (que leva o trigo importado) ao Iphone, além de encarecer dívidas contraídas em dólar e aumentar o risco país, afetando investimentos. Porém, uma moeda mais barata leva também ao efeito “liquidação”, destacado por Abílio Diniz semana passada e proseado por Raul Seixas em algum momento entre 1980 e 1989.

 

Visando o retorno do valor no longo prazo, investidores estrangeiros hoje já aproveitam a “queima de estoque”, na qual a desvalorização do Real se uniu ao desaquecimento da demanda em setores como o imobiliário, levando ativos de boa qualidade a níveis recorde de baixo preço. Por exemplo, os fundos de investimento JPMorgan Chase & Co e Brookfield Asset Management Inc. levantaram recentemente um total de US$ 1.2bilhões destinados exclusivamente ao investimento no setor imobiliário no Brasil [1]. De maneira análoga, os fundos GTIS Partners e GP Investimentos adquiriram no início do ano US$ 400 milhões em ações do grupo brasileiro Brazil Hospitality Group, a terceira maior rede hoteleira do país [2].

 

Nesse contexto, ao efeito “preço de banana” adiciona-se a dificuldade financeira de empresas brasileiras, principalmente aquelas ligadas a produtos considerados supérfluos diante de um orçamento familiar cada vez mais apertado. O resultado são outras ilustrações da poesia de Raul Seixas. No mesmo dia em que Abílio profetizava o “liquida tudo” brasileiro, a multinacional francesa Coty anunciava a bilionária compra de toda a divisão de cosméticos da brasileira Hypermarcas, que por sua vez indicava o destino dos recursos: a redução do endividamento líquido da companhia – em outras palavras, a escada para tirá-la do buraco.

 

Porém, se crises podem representar oportunidades, não nos deixemos levar pela ideia de que estas limitam-se a donos do dinheiro gringo. Uma moeda desvalorizada ajuda tanto exportadores, cujos produtos terão maior vantagem no mercado internacional, quanto aqueles que competem com produtos importados, que ficarão relativamente mais caros para o consumidor local. Ao mesmo tempo, o desaquecimento do mercado leva à redução dos preços de certos ativos, como imóveis, reduzindo preços de alugueis e aquisições.

 

Finalmente, até a atual crise política pode resultar em oportunidades aos olhos mais atentos. No campo político partidário, a histórica taxa de rejeição da Presidente impossibilita o populismo observado nos últimos anos de esconder a urgente necessidade de reformas estruturais, há muito camufladas por convenientes bodes expiatórios. Já no cenário da corrupção, a mesma incerteza que permeia o noticiário atual torna-se alavanca ao fortalecimento de nossas instituições a longo prazo e à redução da percepção de risco em relação ao país em um horizonte (espera-se) não tão distante – especialmente em um mundo em que compliance passou de vocábulo desconhecido a obrigatório, e legislações como o a recente lei anticorrupção brasileira, o britânico UK Bribery Act e o norte-americano FCPA entraram no “beabá público e privado. Por último, mas não menos importante, o cenário econômico também “tira sua casquinha” das atuais investigações de corrupção. Ao escancarar o nível de cartelização e corrupção de verdadeiras gigantes do setor de construção, a operação Lava Jato, por exemplo, pode abrir portas para a entrada de tantos outros até então peixes pequenos para um mar já tomado por tubarões. Em meio a prisões e pedidos de falência, empresas de médio porte tem o potencial de serem encaradas e encarar o mercado com outros olhos, vislumbrando maiores oportunidades.

 

Enfim, é claro que nem tudo são rosas, principalmente em se tratando de uma crise da gravidade da enfrentada por nosso país atualmente. Porém, é olhando para tais oportunidades que troco a ironia dramática de Raul Seixas pelo bom e velho Monty Python (…)

Always look on the Bright Side of Life, Tchuru, Tchuru, Tchuru, Tchuru

 

*Rachel de 
formada em relações internacionais pela PUC-SP
com mestrado em Economia Política
pela London School of Economics (LSE)


 

 Referências

[1] http://globalriskinsights.com/2015/06/can-private-equity-help-make-brazil-the-country-of-the-future-again/

[2] Ibid.

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