Na antiguidade, os Gregos correlacionavam o tempo com duas divindades: Cronos , o deus da quantidade do tempo mensurável, tal como medimos pelo nosso relógio e muito associado a toda a ideia de prazo e duração nas mais diversas abrangências e Kairós o deus do momento adequado, do momento presente, aquele que não é marcado pela passagem uniforme e medida linear , mas está associado com a experiência do tempo como vivência qualitativa.
E, foi lendo o livro “ Administração espiritual Do Tempo” de autoria de Anselm Grün Friedrich Assländer, onde, entre outros, descrevia um pouco sobre estes aspectos, que acabei realizando uma reflexão, incluindo questões ligadas a Arquitetura e decidi escrever esta matéria sobre este tema.
Ora, tomando como base o aspecto de Kairós e, uma vez que, o espaço arquitetônico altera diretamente a qualidade da experiência do ser humano no seu interior, o mesmo irá influenciar, também, na maneira como percebemos a passagem do tempo em cada ambiente.
Meu falecido tio me contou, que certa vez, durante uma viagem de negócios aos Estados Unidos, mais precisamente a cidade de Las Vegas foi conhecer um cassino e, ao sair do mesmo, percebeu que havia se passado mais de 48 horas, ou seja, perdeu completamente a noção cronológica do tempo. É fato, que estes ambientes, são esteticamente (entre outros artifícios) criados exatamente com o propósito de enganar o Deus Cronos do tempo…
Estamos falando, portanto, que podemos através da qualidade de um espaço, alterar de forma significativa a apreensão temporal de uma pessoa.
The new Louvre museum , by Gabriel Jorby – Fonte : https://www.flickr.com/photos/gabyu/411459533/in/photostream/
Sabemos que, determinados elementos físicos como a luz, influem biologicamente em nossos relógios internos e que a manipulação das aberturas dos espaços e a iluminação artificial influenciam nos ciclos de atividade e repouso dos usuários.
Entretanto, podemos ir muito mais além, pois a quantidade de aspectos e fatores que alteram substancialmente a nossa experiência em uma edificação são muitos, e podemos citar alguns como a altura do pé direito, as cores, as formas, as texturas, a temperatura, as dimensões , o cheiro, o som, os objetos e muitos outros , alguns mais ou menos subjetivos.
Com certeza, todos, já experimentamos aquela sensação de ”nossa que lugar agradável, nem percebi o tempo passar, ficaria aqui o dia todo ” , ou ainda, ”puxa, não via a hora de ir embora daquele local, o tempo não passava ”
Em alguns espaços institucionais mais emblemáticos, como templos, hospitais, prisões, escolas e museus, estas questões são mais facilmente evidenciadas, mas elas estão presentes em todos os tipos de ambientes.
Mix de Fotos antes e após uma reforma do hall de um condomínio na Vila Madalena – SP , Arq. Flavio Westmann – Como a alteração dos elementos de luz, cor, textura e objetos influencia nos moradores a qualidade da vivência e percepção do tempo no novo espaço.
Evidente, que temos de incluir a atividade para a qual determinado espaço foi concebido e que é justamente a habilidade da manipular os vários elementos arquitetônicos já citados para determinada finalidade que irá resultar em uma maior ou menor qualidade e apreciação do momento vivido no interior de um local.
Portanto, também, podemos incluir nesta temática aquela sensação ”nossa, estava tão concentrado em determinada atividade que nem percebi o tempo passar”. Isto denota a presença do aspecto do deus Kairós , e que, algumas correntes da psicologia, também, citam como estar em “flow”
Seria difícil estar em “flow”, desenvolvendo uma atividade em um local feio, desconfortável, sem ergonomia, escuro ou inadequado à atividade.
Mix de Imagens extraídas da série britânica Black Mirror
Intrigante, é que podemos alterar através do espaço a percepção do tempo e, dentro desta ótica poderíamos pensar, também, na Arquitetura como “janelas dimensionais de tempo” e desta forma, sob uma visão mais holística, encontrar muitas aplicações para esta abordagem.
Se incluirmos, nesta visão, todas as recentes inovações tecnológicas, onde através de simulações 3D, pode-se percorrer espaços e locais projetados, reais ou fictícios , ou, ainda, vivenciar cidades inteiras em modelagens virtuais, estamos falando, então, de uma nova era de aplicações e funções para a Arquitetura, onde a percepção de tempo e espaço se misturam e poderão atingir dimensões incríveis…
Um cenário de possibilidades, tal qual em alguns episódios da famosa série britânica “Black Mirror”, onde toda esta interação de tecnologia, mundo virtual e relações humanas é levada ao extremo e extrapolam qualquer imaginação…, mas que tomam por modelo tecnologias iniciais já existentes atualmente. (para quem gosta de série e tecnologia vale a pena assistir)
Enfim, visualizar a Arquitetura como integrante da percepção do “tempo”, além da já consagrada percepção do “espaço”, bem como da participação cada vez mais ativa da mesma em novos modelos e universos dimensionais, onde estes elementos se cruzam em conotações outras cada vez mais arrojadas é consagrar a mesma como uma grande aliada do deus Kairós …
Autor: Arq. Flavio Erwin Westmann – SerImovel